sexta-feira, 8 de outubro de 2010

As Eleições e o Aborto

Eis que surge, enfim, um assunto político na corrida presidencial: o aborto. Com ele, vêm à tona na disputa eleitoral personagens que, de outro modo, permaneceriam ausentes: os religiosos e conservadores. Sim, eles existem e eles votam!


A posição do PT é clara: o aborto é uma questão de saúde pública e de direitos das mulheres.   Como consta do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), um dos objetivos do governo Lula em relação aos direitos das mulheres é: "Apoiar a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos". O PNDH-3, recorde-se, foi assinado pelo Presidente da República e pelos seus ministros, dentre os quais a Sra. Dilma Roussef, candidata à sucessora de Lula no mais alto cargo da República.


Depois de ter sofrido críticas, o governo alterou ligeiramente o texto do PNDH-3 em diversos pontos. No que se refere ao aborto, o texto deixou de falar abertamente em descriminalização, sugerindo apenas se tratar de uma questão de saúde pública (um dos grandes entusiastas da legalização do aborto era o Ministro da Saúde, José Gomes Temporão).


Mas a mudança no texto não significa uma mudança de projeto: a preocupação do governo permaneceu sendo com as mulheres, especialmente as mais pobres, que seriam levadas a realizar abortos em clínicas clandestinas, com risco para sua saúde e integridade física. O plano do governo para o aborto se insere nas chamadas "políticas de combate à desigualdade" (no caso, de gênero e de classe). Note-se que, em tais políticas, a vida do feto não é, em nenhum momento, objeto de interesse ou preocupação. Parte-se do pressuposto de que o feto não é uma vida independente, autônoma, sujeita de direitos individuais. O feto é considerado mera extensão da mãe, que, portanto, tem total liberdade para "decidir sobre seu corpo", mesmo que essa decisão implique no extermínio do feto (note-se ainda que a desigualdade gritante de condição entre um feto indefeso e adultos que decidem sobre sua existência não é contemplada, por sua vez, pelas "políticas de combate à desigualdade").


A Sra. Dilma Roussef nunca questionou a posição do governo sobre esse assunto. Pelo contrário, ela a endossou em diversas ocasiões. Em outubro de 2007,  por exemplo, numa sabatina no jornal Folha de São Paulo, ela disse com todas as letras: "eu acho que tem de haver a descriminalização do aborto" (ver aqui). Já em 2009, em entrevista à revista Marie Claire, ela voltou a afirmar: "Abortar não é fácil pra mulher alguma. Duvido que alguém se sinta confortável em fazer um aborto. Agora, isso não pode ser justificativa para que não haja a legalização. O aborto é uma questão de saúde pública (...) Como saúde pública, achamos que tem de ser praticado em condições de legalidade" (ler aqui).


Recentemente, temendo, enquanto candidata, perder os votos dos cristãos (evangélicos ou católicos), a Sra. Dilma mudou o discurso. Passou a se dizer, pessoalmente, contrária ao aborto e "favorável à vida". Mas, mesmo mudando o discurso, a preocupação com o destino do feto continuou ausente. O argumento da Sra. Dilma passou a ser agora o de que o aborto é "uma violência contra a mulher" (ver aqui). Trata-se de uma afirmação particularmente bizarra. Toda violência é uma ação e, portanto, pressupõe um sujeito que a comete. Se o aborto é uma violência contra a mulher, quem é o sujeito de tal violência? Quem a comete? Que eu saiba, são a própria mulher e o médico aborteiro. Logo, se o aborto é uma decisão da mulher sobre seu próprio corpo, como é possível que ele seja considerado uma violência contra essa mesma mulher? O raciocínio da Sra. Dilma é um primor de obtusidade e falta de lógica.


Ou seja, ainda que a Sra. Dilma Roussef se diga agora contrária ao aborto - para não desagradar aos religiosos -, suas razões para tanto não são as mesmas que as razões tradicionalmente apresentadas pelos religiosos. Enquanto esses últimos consideram o aborto uma violência contra o feto, a Sra. Dilma diz que o aborto é uma violência contra a mulher. Enfim, a candidata petista mudou de posição, mas não mudou tanto assim. Ao afirmar ser contrária ao aborto em nome da defesa da mulher (antes que do feto), ela produz um híbrido monstruoso (fundado num equívoco lógico) entre sua antiga posição e sua posição atual, de modo a não ter que se comprometer definitivamente com nenhuma das duas. Daí o uso recorrente que ela faz de expressões vazias tais como "isso é uma questão de saúde pública" (e a imprensa deveria lhe perguntar: o que isso significa, saúde pública para a mãe ou para o feto?), "sou favorável à vida" (e a imprensa deveria lhe perguntar: refere-se especificamente à vida do feto?), "sou pessoalmente contra o aborto" (e a imprensa deveria lhe perguntar: mas, se for eleita presidente, pretende ou não encaminhar uma lei que o descriminalize, como consta na pauta do seu partido?).


Até o momento, a Sra. Dilma Roussef não se explicou sobre a mudança de posição, nem nada lhe foi perguntado diretamente. Apesar de suas declarações passadas, a grande imprensa não hesitou em qualificar de "boatos" (expressão usada de maneira descritiva e supostamente neutra, como se não fosse exatamente o argumento do PT para desqualificar as acusações) as sugestões de que a Sra. Dilma tenha sido favorável ao aborto, ao menos em determinado momento de sua vida pública (ver, por exemplo, essa manchete do Globo Online). Tudo se passa como se ela tivesse sido sempre contrária à legalização do aborto. Tampouco a Sra. Dilma deixou claro se se trata de uma mudança de ponto de vista apenas pessoal - que, sem dúvida, seria um direito seu, contanto que declarado publicamente - ou de uma transformação completa da visão que o PT tem da sociedade. Teria a Sra. Dilma se distanciado do posicionamento histórico do partido? Se esse for o caso, ela deveria vir à público esclarecer a questão. Como, até o momento, a candidata se comporta de maneira dissimulada e melíflua sobre o assunto, o eleitor tem todo o direito de pensar que se trata de uma fraude. 


Enfim, parece-me claro que a Sra. Dilma está sendo oportunista e adotando um discurso eleiroreiro, de última hora. Trata-se simplesmente de desonestidade eleitoral. Tudo leva a crer que a visão da Sra. Dilma continua sendo a visão tradicional do seu partido e que sua repentina mudança de opinião é conversa mole para enganar os eleitores desavisados. Enquanto ela não renegar a assinatura que imprimiu no PNDH-3 ou prestar contas das declarações do passado, penso que é prudente imaginar que, uma vez eleita, ela fará passar um projeto de lei que aprove a legalização do aborto.


Esse é o lado ruim da questão, o fato de lidarmos com uma candidata desonesta. Mas, como eu disse no início, penso que a questão do aborto é de fundamental importância para a política nacional. Pela primeira vez nessas eleições surge um tema capaz de mobilizar visões de mundo realmente antagônicas. A posição do PT - digo, a posição real, e não a farsa montada de última hora para atrair votos - é uma posição claramente progressista. Ela está alinhada com o que pensa certa parcela da sociedade. No meio universitário e artístico, por exemplo, a visão progressista tende a ser largamente  majoritária. É ali, provavelmente, que o PT encontrará ouvidos solidários ao projeto de legalizar o aborto, associado, para essas pessoas, ao ideário feminista da emancipação da mulher.


Contra tal visão, no entanto, uma outra grande parcela da sociedade - dentro da qual se destacam os cristãos - defende uma posição conservadora. Para essa parcela, o aborto não é, de forma alguma, um direito da mulher, mas sim um crime hediondo, uma vez que o feto é considerado um ser vivo desde o momento da concepção. 


O antagonismo concreto revelado pela questão do aborto é, então, muito simples: trata-se de uma disputa entre o progressismo e o conservadorismo ou, em outras palavras, entre "esquerda" e "direita". Esse antagonismo não tinha surgido até o presente momento e, por isso, fico perplexo ao constatar que boa parte da imprensa oficial venha tratando a questão do aborto como um desvio das questões 'centrais' da disputa presidencial, como se se tratasse de uma intromissão indesejada da esfera moral e religiosa sobre o mundo da política. 


Ora, parece-me, ao contrário, que nada pode ser mais político do que o confronto entre progressistas e conservadores, entre esquerdistas e direitistas. Essas duas forças políticas têm estado presentes ao longo de toda história moderna. Nos EUA, por exemplo, o combate entre elas é franco e vigoroso. Lá, os liberals correspondem ao que estou chamando de "progressistas", enquanto os conservatives seriam, literalmente, os nossos "conservadores". Também lá nos EUA, são os liberals quem costumam defender a legalização do aborto e as tais políticas contra a desigualdade, ao passo que os conservatives tendem a defender os valores religiosos e o direito inalienável à vida do feto enquanto indivíduo autônomo.


Nos EUA, as duas correntes se digladiam em campo aberto. Há meios de comunicação explicitamente liberals, como há os abertamente conservatives. O debate é franco e sem dissimulação. Uns e outros acusam-se mutuamente, fazem troça, debocham, discutem, em suma, confrontam-se democraticamente, sem não-me-toques e fingimento.


No Brasil as coisas não são assim. Isso se dá porque, embora uma imensa parcela da população seja conservadora (talvez a maioria da população brasileira), a quase totalidade dos formadores de opinião é constituída por progressistas. Os formadores de opinião costumam vir do meio universitário, especialmente das ciências humanas (de áreas como direito, comunicação social, ciências sociais, história, psicologia, pedagogia etc.), que são amplamente progressistas. Portanto, a visão de mundo progressista, ainda que numericamente minoritária, aparece como politicamente default, sendo a posição conservadora relegada ao estatuto de aberrante ou ultrapassada. "Conservador" e "direitista", no Brasil de hoje, se tornou uma ofensa, antes que uma posição política legítima e auto-consciente. 


Daí a pouca importância dada, na grande mídia, à questão do aborto. Você não verá, por exemplo, um jornalista da TV Globo perguntando diretamente à Sra. Dilma Roussef: "a senhora mudou de opinião em relação ao aborto? A senhora renega o PNDH-3?". O problema do aborto veio à tona de forma subterrânea, difundindo-se sobretudo entre a população religiosa (conservadora e direitista) via internet (através de blogs, twitter, orkut etc.). 


Com efeito, se dependêssemos exclusivamente da imprensa oficial, o tema do aborto nunca teria surgido nessas eleições e, portanto, o confronto - essencial a toda democracia - entre as forças progressistas e conservadoras permaneceria reprimido e sufocado pela pauta oficial estabelecida pelos grandes veículos de comunicação, de comum acordo com os candidatos


Foi isso que se viu nos debates eleitorais e na cobertura jornalística profissional: pouca discussão política, confrontos engessados, temas pontuais e irrelevantes tratados em destaque. Acontece que esse era exatamente o plano do PT para a disputa eleitoral de 2010. A ausência do confronto político tinha sido comemorada pelo próprio Presidente da República, ao celebrar o fato de que as eleições 2010 seriam disputadas apenas por candidatos de esquerda, sem a presença de nenhum "troglodita de direita" (ler aqui).  


Note-se, por incrível que pareça, que o Presidente disse isso como se a ausência da direita fosse um sinal claro de avanço da democracia. Democracia, para o Presidente da República, significa a atuação exclusiva e hegemônica de uma única força política. O grave é que, de um jeito ou de outro, o establishment midiático parecia corroborar a posição do Presidente. E até mesmo a oposição. Não fosse a pressão exercida quase que invisivelmente pelos religiosos, e o candidato José Serra continuaria disputando com a outra candidata o troféu de progressista do ano. Os religiosos forçaram-no a se inclinar para a direita, coisa que ele o faz - devido ao seu passado e a sua timidez - ainda com muita relutância. Pelo menos, no que se refere à questão do aborto, parece que o Sr. José Serra manteve a coerência. Ele sempre foi contrário à legalização e, portanto, conservador sob esse aspecto. 


No Brasil, o conservadorismo não goza de expressão política e midiática. Foi o tema do aborto que conseguiu lhe dar alguma visibilidade, graças à internet. Não fosse a internet, e a disputa eleitoral permaneceria pautada pelos valores do stablishment progressista.


O mínimo que a imprensa oficial deveria fazer - e não faz - é esclarecer sobre a natureza essencial da divergência: entre progressistas e conservadores. A imprensa  não deveria corroborar a fraude petista, deixando de abordar frontalmente o tema. Ao contrário, ela deveria forçar a candidata petista a se explicar, deixando claro que, caso contrário, o eleitor deveria estar ciente de que a Sra. Dilma Roussef é mesmo favorável à legalização do aborto, porque essa é uma plataforma do seu partido. 


Se isso tivesse sido feito, teríamos então duas alternativas: ou a candidata do PT seria forçada a assumir abertamente sua posição, arcando com as conseqüências eleitorais que tal posição pudesse ocasionar - "sou favorável à legalização, e pretendo encaminhar um projeto de lei que a possibilite" - ou, então, esclarecer francamente os motivos que a fizeram abandonar aquela posição. Seja como for, o eleitor só teria a ganhar. 


Assim é a democracia: um confronto honesto entre visões de mundo e projetos políticos divergentes, entre os quais o eleitor, informado por uma imprensa responsável, deverá optar por livre e espontânea vontade. Mas no Brasil, assistimos ao triste espetáculo de uma candidata mentindo aos olhos de todos sem que ninguém ouse confrontá-la. Temo que, mais uma vez, tenhamos um segundo turno onde perguntas básicas continuarão por serem feitas.   


Espero estar errado, mas creio que nem o candidato José Serra nem tampouco os tele-jornalistas farão diretamente à Sra. Dilma Roussef a única pergunta que ora importa: "Afinal, por que a senhora mudou de opinião sobre o aborto?". Bastaria ao Sr. José Serra fazer essa pergunta nos debates na TV e, creio, ele seria eleito com certa facilidade.







sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O Duplipensamento de Valter Pomar

O "Duplipensamento" é mais um conceito interessante criado por George Orwell em 1984. Nas palavras do próprio autor, duplipensar significa:

"Saber e não saber, ter consciência de completa veracidade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas, defender simultaneamente duas opiniões opostas, sabendo-as contraditórias e ainda assim acreditando em ambas; usar a lógica contra a lógica, repudiar a moralidade em nome da moralidade, crer na impossibilidade da Democracia e que o Partido era o guardião da Democracia; esquecer tudo quanto fosse necessário esquecer, trazê-lo à memória prontamente no momento preciso, e depois torná-lo a esquecer; e acima de tudo, aplicar o próprio processo ao processo. Essa era a sutileza derradeira: induzir conscientemente a inconsciência, e então, tornar-se inconsciente do ato de hipnose que se acabava de realizar".

Esta técnica faz parte do beabá do bom petista. Há poucos dias, Valter Pomar, diretor nacional do PT, deu uma aula de Duplipensamento em entrevista publicada no site oficial do partido (ler aqui). Além de diretor nacional do partido, Pomar é também responsável pela secretaria executiva do Foro de São Paulo, sendo, hoje, o principal articulador entre o PT e aquela organização.

O tema da entrevista era o XVIº Encontro do Foro de São Paulo, a ser realizado nos próximos dias 10 a 20 de agosto, em Buenos Aires (ver §29 do post PT, FARC e narcotráfico: uma cronologia). Ao ser perguntado sobre um dos tópicos do programa do Foro - um debate sobre a questão da Defesa no continente latino-americano -, Pomar negou que isso tivesse relação direta com o conflito entre Colômbia e Venezuela. Disse  ele: "Este debate já estava planejado antes. A verdade é que a esquerda latino-americana tem uma estratégia baseada na disputa de eleições, na mobilização social e no debate de idéias. Quem aposta numa estratégia de guerra e subversão são os Estados Unidos e os setores mais reacionários da região. O XVI Encontro do Foro de São Paulo será um grande ato em favor da paz, no mundo e na América Latina. E fazer a paz implica construir uma política unificada de Defesa entre todos os países da América Latina" (grifos meus). 

Vejamos o que significa "paz" para Valter Pomar.

Sobre o conflito entre Venezuela e Colômbia, Pomar faz referência a uma nota, emitida no dia 28 de julho pelo Grupo de Trabalho do Foro de São Paulo (vejam a nota). Nela, os membros do Foro defendem uma solução "negociada" para o conflito entre Colômbia e Venezuela. Em seguida, fazem uma crítica ao ex-presidente colombiano Álvaro Uribe, por suas acusações de que Hugo Chavez fornecia abrigo às FARC em território venezuelano (acusações amplamente comprovadas por documentos e fotos dos acampamentos). Imediatamente após a crítica a Uribe, a nota elogia Chavez pelo "empenho em cumprir rigorosamente todos os acordos internacionais vigentes, avançar nos processos de integração regional que implicam na cooperação plena entre as nações latino-americanas". Em suma, "negociação", para Pomar e os membros do Foro, designa total apoio a Chavez e repúdio ao governo colombiano.

Mas há mais. Ao ser perguntado sobre uma possível "opinião única" sobre as FARC no Foro de São Paulo, Pomar responde: "Olha, opinião única é coisa de pensamento único. O que eu posso dizer é que a esquerda latino-americana está nas lutas sociais, participa das disputas eleitorais e governa importantes países da região. Em muitos casos, partidos que hoje estão no governo, ontem estavam na luta armada. A transição se deu nos anos 80 e 90, geralmente através de processos de paz negociada". 

Ou seja, "paz negociada", no vocabulário pomarino, significa que grupos armados poderão usar de toda violência que julgarem necessária e, depois de atingidos seus objetivos, serem reconhecidos como força política legítima, esquecendo-se tudo o que fizeram no passado. Isso significa dizer que, quando você, leitor, entrega sua carteira ao assaltante sob a mira de um revólver, você não faz mais do que participar democraticamente de um processo de paz negociada. Quem sabe se, mais à frente, com sorte, você não terá ainda a oportunidade de eleger o seu assaltante para um cargo público?

Pomar não responde diretamente a pergunta sobre a "opinião única" do Foro de São Paulo acerca das FARC, preferindo sugerir indiretamente, mediante ataque a um tal "pensamento único" (que é como o PT e outras organizações de esquerda habituaram-se a chamar o pensamento dito neo-liberal), que há uma multiplicidade de opiniões dentro do Foro. Ora, é fácil ver que essa multiplicidade não existe, pois, na seqüência, Pomar trai a opinião unânime da organização: a luta das FARC é legítima ("partidos que hoje estão no governo, ontem estavam na luta armada", diz Pomar). Tal opinião está expressa com todas as letras no Documento-Base para o XVIº encontro do Foro, onde seus membros, unanimemente, condenam a cruenta agressão armada de tropas colombianas, respaldadas pela tecnologia e pelos serviços de inteligência dos EUA, em território ecuatoriano, em Sucumbios, no dia 1º de março de 2008” e lamentam a eleição de Juan Manoel Santos, candidato de continuidade do governo Uribe, para a presidência da Colômbia (Leiam aqui).

[OBS: Posteriormente, Santos revelou-se muito menos uribista do que parecia, e o compromisso que o elegeu, qual seja o de acabar de vez com as FARC, foi transigido covardemente].

A velocidade com que afirmações contraditórias alternam-se ao longo de toda a entrevista é estonteante. Poucas vezes se viu um talento tão grande na arte do duplipensar. Depois de negar a existência de uma opinião única sobre as FARC - o que é desmentido pelo documento-base do XVI encontro do Foro -, Pomar avança essa mesma opinião. Mais à frente, volta a dizer que o PT não tem nenhuma ligação política com a guerrilha colombiana, sendo que, na pergunta anterior, havia questionado a ligação das FARC com o narcotráfico, alegando ser um pretexto dos EUA para combater a guerrilha. Diz ele: "Vale citar que as Farc negam ter vínculos com o narcotráfico". Pomar apresenta a negação das FARC como prova adicional da ausência de vínculos entre a guerrilha e o narcotráfico. É como apresentar a opinião de Eurico Miranda como prova de que o Vasco da Gama é o melhor time do mundo.

Ecce homo: Valter Pomar, um petista típico.


terça-feira, 3 de agosto de 2010

Os Últimos Dias do Brasil

A foto ao lado é de Karl Kraus (1874-1936), grande ensaísta, dramaturgo e poeta austríaco. Entre outros feitos notáveis, Kraus escreveu "Os últimos dias da humanidade: tragédia em cinco atos com preâmbulo e epílogo" (Die letzten Tage der Menschheit: Tragödie in fünf Akten mit Vorspiel und Epilog), publicado em 1922. A obra, roteiro para uma peça que nunca chegou a ser encenada, consistia numa crítica contundente à degradação da linguagem pública no mundo germânico, responsável, entre outras coisas, por criar o clima de  irracionalidade patológica que, em pouco tempo, culminaria na ascensão do nacional-socialismo. "Os últimos dias da humanidade" foi composta a partir de amostras de notícias impressas, cenas cotidianas, anúncios, sentenças judiciais, etc., tudo encadeado numa narrativa assustadora sobre a insanidade coletiva.
     Nas páginas de sua revista "A Tocha" (Die Fackel), Kraus sugeria que o vocabulário da opinião pública alemã tinha sido empobrecido e reduzido a ponto de criar um verdadeiro abismo entre a experiência concreta da realidade e a linguagem corrente. A grande responsável por tamanha corrupção semântica era, segundo Kraus, a imprensa.
          Se o sábio austríaco vivesse no Brasil de hoje, poderia ter composto uma obra cem vezes mais volumosa do que "Os últimos dias...". O jargão jornalístico brasileiro é, atualmente, um festival de distorções verbais e eufemismos grosseiros que, quando muito, servem para revelar o estado de espírito daqueles que ajudam a consagrá-lo, mas nada informa sobre a realidade dos fatos.
        Pena não termos, entre nós, um gigante como Karl Kraus, porque, no nosso caso, não sobrarão nem mesmo registros, para as futuras gerações, dos "últimos dias do Brasil", um país que hoje vocifera indignado contra a afirmação 'raivosa' de que 2 + 2 = 4, regozijando-se, ao contrário, diante dos bons modos de todo aquele que sugerir, mui educadamente, que 2 + 2 = 5.
        Dizia Karl Kraus, uma frase que cai como uma luva para compreendermos a sociedade brasileira atual: "Quando o sol da cultura está baixo, também os anões lançam longas sombras". 

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Exercícios de Novilíngüa*: o significado de "polêmica"

Acho curioso o fato de que muita gente, inclusive gente inteligente, acredite que a TV Globo seja contra o governo Lula e contra o PT. Talvez essa visão seja herança dos tempos da ditadura, quando, pelo menos no início, a Globo foi oficialmente favorável ao golpe militar e ao anticomunismo. Mas, de lá para cá, tanta coisa já aconteceu, tanta água já rolou, a Globo já se modificou tanto – tendo, inclusive, acolhido profissionalmente vários daqueles antigos comunistas, como, por exemplo, no jornalismo, Franklin Martins, e, na tele-dramaturgia, Dias Gomes e Janete Clair – que me parece ser uma análise equivocada e preguiçosamente esquemática continuar associando a emissora ao anti-esquerdismo.

Atualmente, penso que não seria difícil encontrar indícios exatamente do contrário daquela tese inicial, indícios de que a Globo é, quase sempre, muito solidária ao atual governo, endossando, ainda que, é claro, não explicitamente, diversos de seus projetos para a sociedade brasileira. Gostaria, por ora, de lidar com um exemplo apenas: o recente projeto de lei que, complementando um artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente, pretende proibir as palmadas educativas.
No último domingo (18/07/2010), por exemplo, o programa Fantástico apresentou uma matéria sobre a lei das palmadas (Assistam). Ao longo do programa, várias chamadas anunciaram a matéria, indicando se tratar de uma questão “polêmica”. Os telespectadores, então, se prepararam para uma reportagem sobre algo não-decidido, ou difícil de decidir, tal qual se depreende do sentido da palavra “polêmica”.
Confesso que eu, pelo menos, nunca havia pensado na palmada em si como algo significativamente “polêmico” para a sociedade brasileira. Esclareço logo que, pessoalmente, não acho legal utilizar a violência na educação dos filhos. Penso que, de uma forma geral, há métodos mais inteligentes e eficazes. Mas creio que, na maior parte dos casos, os pais que, eventualmente, dão uma palmada nos filhos, também pensam assim. A palmada é dada, normalmente, no momento em que o pai perdeu a paciência, cujos limites foram testados pela criança. E, neste sentido pelo menos, a palmada tem algo de educativo: ela mostra para a criança que seus pais são seres humanos, portanto, sujeitos a emoções, e que podem, por isso mesmo, perder o controle se os filhos exageram no mau-comportamento. Não se pode negar que isto pode contribuir para o desenvolvimento do senso de empatia da criança, ou seja, a capacidade de perceber o outro como um sujeito, e não apenas como objeto de nossos desejos e vontades.
O ponto é que a palmada em si não é uma novidade na sociedade brasileira. Por que, se ela é algo tão polêmico, já não surgiram antes tantas reportagens sobre o assunto? A verdade é que a palmada não tem nada de muito polêmico, nem tira o sono de ninguém. O fato novo, a grande novidade, é a proposta de uma lei governamental que pretende proibir as palmadas. Esta é – ou, ao menos, deveria ser – a questão polêmica. A reportagem do Fantástico poderia ter colocado as seguintes perguntas: você é ou não a favor de que o governo tenha tamanha ingerência sobre a educação dos seus filhos? Você concorda com a idéia de que, por exemplo, qualquer estranho possa chamar a polícia se você der uma palmadinha no seu filho durante um passeio no Shopping Center? Mas o programa não colocou tais questões. A polêmica foi montada em torno da palmada em si. Ou seja, contrariando o bom senso jornalístico, a matéria desprezou o fato novo e relevante, atendo-se, em vez disso, a fatos corriqueiros e banais. A pergunta que o telespectador foi convidado a responder era: você é a favor ou contra a palmada na educação dos filhos?
Mas a coisa não ficou por aí. A reportagem se mostrou mais tendenciosa. Aparentemente contrariados com o resultado da votação – a maioria dos telespectadores (69%) foi favorável ao uso eventual e moderado da palmadinha –, os autores da matéria prosseguiram na intenção de ‘corrigir’ as pessoas que haviam opinado de tal forma. “A maioria dos telespectadores achou que a palmadinha é inevitável e serve para educar. Será mesmo?”, pergunta o apresentador, para depois introduzir uma nova reportagem sobre “o que concluiu um estudo feito nos EUA”. A reportagem informava sobre os danos psíquicos causados pela palmada, supostamente comprovados por “especialistas” (palavra mágica!) de universidades norte-americanas (Assistam). A estrutura da reportagem foi toda montada assim: convidava para uma polêmica, tomava o partido de um dos lados da polêmica – apresentando os adeptos da palmada sempre em situação inferiorizada, sendo educados e corrigidos por especialistas (psicólogos, conselheiros tutelares, pedagogos etc.) – e encerrava com uma lição de moral: dar palmadas é errado.
Tal conclusão apenas já seria bastante favorável à iniciativa do governo. Afinal, se dar palmadas é errado, uma lei que as proíba só pode ser benéfica. Mas isso não é tudo. Sobre a questão da lei propriamente, o Fantástico pouco disse diretamente, mas, de maneira velada, mostrou-se completamente pró-governo. A matéria cedeu espaço à posição do governo, representada pelas palavras do conselheiro tutelar Heber Boscoli: “A criança acha que ‘meu pai pode me bater, porque é meu pai e tem o direito’. Não tem o direito de bater”. A conclusão que se pode tirar destas palavras me parece clara: o governo pretende ensinar às crianças que o respeito e reverência que elas demonstram em relação à autoridade dos pais devem ser revistos. Pois bem. O Fantástico não entrevistou nenhuma pessoa que pudesse questionar esta posição do governo, e me parece que ela é altamente questionável. 
Diz um trecho da reportagem: “Pelo projeto, atitudes para punir ou disciplinar não podem machucar nem causar nenhum tipo de dor. Crianças e adolescentes também não podem ser humilhados nem ameaçados”. Note-se, portanto, que, se a lei for aprovada, um pai que for surpreendido na rua ameaçando o filho de castigo se ele não parar de fazer birra, pode ser interpelado pelas autoridades. E o que será que o governo considera “humilhação”? Repreender o filho na frente dos outros, por exemplo, constitui “humilhação”? Para esclarecer a posição do governo – e para que ninguém acredite se tratar de uma lei autoritária e absurda –, a reportagem cede a palavra a Carmem Oliveira, subsecretária nacional de Direitos da Criança e do Adolescente:  “A nossa preocupação é com palmadas reiteradas ou a palmada que vai à surra e que vai ao espancamento, que vai agravando a conduta de violência”. Olhando assim, parece ser uma posição razoável. Afinal, quem, em sã consciência, vai concordar com surras e espancamentos de crianças? Acontece que o texto da nova lei não fala em “surras” e “espancamentos” (até porque tais delitos já estão previstos legalmente), mas em palmada. A lei pretende simplesmente proibir a palmada, seja umazinha apenas ou mais de dez.
Por último, me parece evidente que a preocupação do governo é menos com o bem-estar das crianças e mais com o aumento de sua autoridade sobre a vida privada das pessoas. Creio que este caso das palmadas se insere num amplo projeto totalitário de ocupação de espaços pelo Estado, assunto que é um dos interesses principais deste blog. Trata-se, com esta lei, de esvaziar a influência da família sobre os filhos, minando o pátrio poder até que, no limite, a hierarquia familiar seja rompida e substituída pela tutela estatal. Pais e filhos já não estarão mais diferenciados hierarquicamente – diferença essencial para que a própria noção de família faça sentido –, passando a ser tratados, ambos, como partes equivalentes perante o Estado, este sim, educador soberano e figura única de autoridade. Ora, quem realmente se preocupa com as crianças não pensaria em sugerir que elas relativizem a autoridade paterna, sendo os pais figuras que, naturalmente, os filhos admiram e tomam como modelo. Como poderia ser saudável para uma criança ver seu pai ser processado ou obrigado a tratamento psicológico por ter lhe dado palmadas? O que há de positivo em retirar a autoridade de uma mãe – tão fundamental na formação psíquica e moral de uma criança – e entregá-la nas mãos de algum burocrata do governo? 
Enfim, todas estas questões, que poderiam ter sido levantadas pela reportagem, não foram sequer concebidas. O atual governo segue seu projeto de expansão para dentro das vidas privadas dos brasileiros. E uma parcela significativa da imprensa, que poderia contribuir para frear esse processo, comporta-se de maneira omissa e subserviente. O programa Fantástico prestou um grande desserviço à sociedade brasileira ao não lidar com o aspecto central da questão, que dizia respeito às relações entre Estado e sociedade civil. Em compensação, prestou um belo serviço ao governo quando embelezou, por meio de matéria tendenciosa e diversionista, o tal projeto de lei anti-palmada. Como eu havia dito em outro post, no Brasil de hoje, palavras como "polêmica" e "debate" são letra morta: o mérito já está decidido de antemão.



quarta-feira, 21 de julho de 2010

Adendo ao Post Anterior

Se, com todas as evidências listadas na cronologia (ver post anterior), a imprensa continua a desprezar a questão como mera “futrica”, é porque já não vivemos em uma democracia e perguntas decisivas para o futuro do país não podem mais ser feitas. O fato é que, para processar quem quer que afirme haver ligações entre o partido e as FARC, o PT vai precisar processar todos os jornais elencados acima, além de juízes, delegados e policiais. Além disso, o PT teria que renegar publicamente tudo o que fez nestes 20 anos de existência do Foro de São Paulo. Mas isso ele não pode nem quer fazer. O que o PT vai fazer é aquilo que já está fazendo: simular uma cara de dignidade ofendida, adotar uma postura indignada e histriônica até que, por vergonha ou medo de “pegar pesado”, as pessoas parem de falar no assunto. Se há uma coisa que todos no PT sabem fazer muito bem é se fingir de vítima, mesmo quando estão por cima da carne seca. E, nesse empreendimento, ao que parece, o PT poderá contar com o fiel auxílio da imprensa e dos analistas políticos, aparentemente tão ciosos em relação à fina estampa da nossa “festa da democracia”.

PT, FARC e narcotráfico: uma cronologia


Este post tem como base um artigo do filósofo e jornalista Olavo de Carvalho - o primeiro (e, por muito tempo, o único) jornalista no Brasil a falar em Foro de São Paulo -, intitulado "O Perigo sou Eu". Aproveitando a estrutura inicial daquele texto, e acrescentando-lhe mais dados e referências, o resultado é o que se segue. Esclareço que as fontes de informação utilizadas aqui são públicas, veiculadas pela imprensa, e acessíveis a qualquer pessoa. Logo, nenhuma informação foi inventada. O que fiz foi simplesmente estabelecer conexões entre os fatos. As conclusões ficam para o leitor. Eu já tirei as minhas. E, ao contrário do que diz Dilma Roussef, penso que o povo merece saber dessas coisas. Mais ainda, penso que o povo precisa saber. Todos precisamos saber que tipo de relações o governo de nosso país - um governo que pretende continuar, no mínimo, por mais 4 anos - mantém com as FARC. Caso contrário, a democracia não será mais que uma palavra bonita. 


Nota: esta cronologia poderá ser ampliada indefinidamente, à medida que surjam novas evidências das ligações do PT com as FARC, e os leitores estão convidados a contribuir com ela.

§1. Abril de 2001: o traficante Fernandinho Beira-Mar confessa que compra e injeta no mercado brasileiro, anualmente, duzentas toneladas de cocaína das FARC em troca de armas contrabandeadas do Líbano.


§2. Novembro de 2001: “Um documento elaborado pela Operação Cobra (sigla para Colômbia-Brasil) da Polícia Federal, encarregada de desarticular o narcotráfico na fronteira da Amazônia brasileira, identifica bases de produção de cocaína sob o domínio das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)... Chamadas de complexos (conjunto de laboratórios de refino), as bases produzem mensalmente, segundo o relatório, cerca de 45 toneladas do cloridrato de cocaína. A droga partiria em aviões de pistas clandestinas na Colômbia para Europa e os Estados Unidos e até para o Brasil. ‘Não temos mais dúvidas das relações das FARC com o narcotráfico. A guerrilha tem o comando das drogas e isso é uma ameaça para a fronteira brasileira’, afirma o delegado Mauro Spósito, coordenador da Operação Cobra’”. (Reportagem na Folha Online de 11/11/2001. Ler na íntegra).


§3. Dezembro de 2001: O Foro de São Paulo, coordenação do socialismo latino-americano, sob a presidência do Sr. Luís Inácio Lula da Silva, lança um manifesto de apoio incondicional às FARC, no qual classifica como “terrorismo de Estado” as ações militares do governo colombiano contra essa organização. Diversos partidos políticos e organizações latino-americanas subscrevem o documento, entre elas o PT (ver “Resolução de Condenação ao Plano Colômbia e apoio ao povo colombiano”, no Xº Encontro do Foro de São Paulo, ocorrido em dezembro de 2001 em Havana, Cuba. Ver o §19 abaixo.


§4. Maio de 2002: “Apreensão de 62 quilos de cocaína revela a rota das FARC para enviar a droga da Colômbia ao Brasil. Até a semana passada, o traficante carioca Fernandinho Beira-Mar, preso no Rio de Janeiro, era o principal exemplo da ligação entre o narcotráfico no Brasil e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), a guerrilha que mantém o país vizinho em guerra civil. Beira-Mar foi preso há um ano pelo Exército colombiano, quando comprava cocaína das FARC. Na tarde da quinta-feira, uma operação da Polícia Federal no porto da cidade amazonense de Tefé estabeleceu um novo elo dessa conexão. Os policiais apreenderam 62 quilos de cocaína fornecidos a brasileiros pelo comandante Rafael Oyola Zapata, o principal líder das FARC na Amazônia colombiana, com um quartel-general em Puerto Santander, às margens do Rio Caquetá. Depois de ‘batizada’, isto é, misturada a ingredientes pouco nobres, essa remessa renderia uns 180 quilos, já com destino certo: os consumidores de Fortaleza, do Recife e do Rio de Janeiro” (Revista Época).


§5. Outubro de 2002: Ao vivo na televisão, Lula dá um cala-boca no jornalista Boris Casoy, ao ser perguntado sobre um suposto eixo Lula-Castro-Chavez. Em tom intimidador, Lula se dirige a Casoy: “tem certas coisas que é melhor você nem ficar falando”. Notem que, em seguida, Lula tenta desviar o assunto: "Houve um tempo em que havia uma aliança do mal aqui, que era Collor, Menen, Fujimori e Salinas". Ora, ora. Será o mesmo Collor que é apoiado agora pelo mesmo Lula? Confiram o jingle da campanha do Collor nesse ano. E aqui a entrevista de Lula a Boris Casoy. Ver §14 abaixo.


§6. Outubro de 2002: O PT, através do assessor para assuntos internacionais da campanha eleitoral de Lula, Giancarlo Summa, afirma em nota oficial que o partido nada tem a ver com as FARC e que o Foro de São Paulo é apenas “um foro de debates, e não uma estrutura de coordenação política internacional”. Noto que este “foro de debates” emitia resoluções ao final dos encontros, o que não costuma acontecer em eventos dedicados a debates e conversas. Ver §3 acima e §13 e §23 abaixo.


§7. Outubro de 2002: Em entrevista ao jornal francês Le Monde (1/10/2002), Lula confessa que a eleição era apenas “uma farsa necessária para se chegar ao poder”. Segue-se trecho da reportagem original:


Le Monde: La gauche brésilienne aux marches du pouvoir
“En privé, Lula, âgé de 56 ans, pense tout haut que l'élection est une
farce et qu'il faut en passer par là pour prendre le pouvoir. D'où, entre autres innovations difficilement digérées par les ultras du parti, sa décision de confier l'organisation de sa campagne au gourou national du marketing politique, Duda Mendonça”


§8. Outubro de 2002: Paralelamente, o assessor de Lula para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia (aquele mesmo do “top top” e “fuc fuc” quando da explosão do avião da TAM, lembram? Se não lembram, revejam), declarava ao jornal argentino La Nación: “A impressão de que o PT foi para o centro surge do fato de que tivemos de assumir compromissos que estão nesse terreno. Isso implica que teremos de aceitar inicialmente algumas práticas. Mas isso não é para sempre” (Confira aqui). Vale relembrar um pouco as visões políticas de Garcia. Na revista Teoria e Debate (São Paulo, julho/dezembro de 1990, nº 12. Extrato do artigo “Terceira Via: a social-democracia e o PT”), Marco Aurélio Garcia descreve seu partido político, o PT, como “radical, de esquerda, socialista”. Em um artigo que escreveu sobre o Manifesto Comunista de Karl Marx, Garcia conclui: “A agenda é clara. Se o horizonte que buscamos é o comunismo, é hora de reconstruí-lo” (Aurélio Garcia, Marco. Teoria e Debate, 26 de janeiro de 2001, nº 36: “O Manifesto e a refundação do comunismo”).


§9. Março de 2003: O governo petista recusa-se a classificar as FARC como organização terrorista, conforme solicitava o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe. Siga o link. Até hoje (julho de 2010), a posição do PT se mantém igual quanto a esta questão.


§10. Maio de 2003: “A polícia apreendeu 15 quilos de cocaína, ontem, na favela Beira-Mar, reduto do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. O símbolo das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), grupo guerrilheiro com quem ele trocava cocaína por armas, estava na embalagem da droga”. (O Estado de São Paulo).


§11. Agosto de 2003: Raul Reyes, comandante das FARC, concede entrevista à Folha de São Paulo. Segue um pequeno trecho:

Folha de S.Paulo - O sr. conheceu Lula?

ReyesSim, não me recordo exatamente em que ano, foi em San Salvador, em um dos Foros de São Paulo.

Folha - Houve uma conversa?

ReyesSim, ficamos encarregados de presidir o encontro. Desde então, nos encontramos em locais diferentes e mantivemos contato até recentemente. Quando ele se tornou presidente, não pudemos mais falar com ele.

(...)

Reyes – As FARC têm contatos não apenas no Brasil com distintas forças políticas e governos, partidos e movimentos sociais...

Folha – O senhor pode nomear as mais importantes?

Reyes – Bem, o PT, e, claro, dentro do PT há uma quantidade de forças; os sem-terra, os sem-teto, os estudantes, sindicalistas, intelectuais, sacerdotes, historiadores, jornalistas...

Folha – Quais intelectuais?

Reyes – [O sociólogo] Emir Sader, Frei Betto [assessor especial de Lula] e muitos outros.

*Ler entrevista na íntegra aqui

** Em seu programa de televisão, Chavez contou como conheceu Lula e Raúl Reyes num encontro do Foro de São Paulo em 1995. Assistam (Chavez dá com a língua nos dentes por volta do 3m17s de vídeo).


§12. Março de 2005: Estoura o escândalo dos cinco milhões de dólares das FARC que um agente dessa organização, o falso padre Olivério Medina, afirmou ter trazido para a campanha eleitoral do PT. Um funcionário da ABIN esteve presente no churrasco entre militantes petistas e Olivério Medina, no qual este último entregava o serviço. O assunto é investigado superficialmente e logo desaparece do noticiário (reportagem na Veja de 16 de março de 2005).


§13. Julho de 2005: Discursando no 15º aniversário do Foro de São Paulo, o Sr. Luís Inácio Lula da Silva entra em contradição com o §6 acima, confessando que o Foro é uma entidade secreta, “construída para que pudéssemos conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política”, que essa entidade interferiu ativamente no plebiscito venezuelano e que ali, em segredo, ele próprio tomou decisões de governo junto com Chávez, Fidel Castro e outros líderes esquerdistas, sem dar ciência disto ao Parlamento ou à opinião pública. Confira. Ver §25 abaixo.


§14. Dezembro de 2005: Boris Casoy é demitido da Record, segundo ele por pressão do governo do PT, através de participação ativa de Zé Dirceu. Recorde-se o §5 acima. Confiram entrevistas aqui e também aqui.


§15. Abril de 2006: o chefe da Delegacia de Entorpecentes da PF do Rio, Vítor Santos, informa ao jornal O Dia que “dezoito traficantes da facção criminosa Comando Vermelho – entre eles pelo menos um da Favela do Jacarezinho e outro do Morro da Mangueira – vão periodicamente à fronteira do Brasil com a Colômbia para comprar cocaína diretamente com guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Os bandidos são alvo de investigação da Polícia Federal. Eles ocuparam o espaço que já foi exclusivo de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar”.


§16. Maio de 2006: No dia 12, o PCC em São Paulo lança ataques que espalham o terror entre a população. Posteriormente, em 27 de dezembro, seria a vez do Comando Vermelho fazer o mesmo no Rio de Janeiro.


§17. Julho de 2006: o Supremo Tribunal Federal, sob pressão de um vasto movimento político orquestrado pelo PT, concede asilo político ao falso padre Olivério Medina, agente das FARC no Brasil. Ver §12 acima.


§18. Dezembro de 2006: Ângela Maria Slongo, mulher de Olivério Medina, é nomeada pelo ministro da Pesca, Altemir Gregolin, para o cargo de oficial de gabinete II. Quando Ângela foi nomeada pelo Palácio do Planalto – lembre-se que o Ministério da Pesca é ligado diretamente ao gabinete do presidente da República –, Olivério Medina estava preso em Brasília, a pedido da Colômbia, seu país de origem, onde era acusado de atos terroristas e assassinatos. Link. A solicitação do emprego para a mulher de Medina foi feita por Dilma Roussef, então ministra-chefe da Casa Civil e hoje candidata à reeleição de Lula. O documento, assinado por Dilma, pode ser lido aqui. Os e-mails das FARC revelados na reportagem da revista Cambio (ver §26 abaixo) mostram definitivamente que a contratação de Angela foi fruto de uma negociação política sigilosa entre o PT e as FARC (ver aqui).

§19. Janeiro de 2007: Em reunião do Foro de São Paulo em San Salvador (El Salvador), as FARC fazem os maiores elogios ao PT por ter salvo da extinção o movimento comunista latino-americano por meio da fundação do Foro. Leiam a carta. Versão em português no jornal Pravda. Ver §3 e §6 acima.


§20. Maio de 2007: o juiz Odilon de Oliveira, de Ponta-Porã, divulga provas de que as FARC atuam no território nacional treinando bandidos do PCC e do Comando Vermelho em técnicas de guerrilha urbana. Confira.


§21. Agosto de 2007: Nos vídeos preparatórios de seu 3º Congresso Nacional, o PT admite, pela primeira vez de forma tão explícita, que seu objetivo é eliminar o capitalismo e implantar no Brasil um regime socialista. No mesmo vídeo, o PT fornece ainda um segundo desmentido às declarações de Giancarlo Summa (ver os §6 e §13 acima), ao confessar que o Foro de São Paulo é “um espaço de articulação estratégica”. Assista. Nota: Volta e meia, o PT consegue remover esse vídeo do YouTube. Já tive que corrigir o link diversas vezes, já que, por sorte, alguma boa alma guardou o vídeo e o recoloca no YouTube sempre que preciso. Contra a censura petista, só nos resta a persistência.


§22. Agosto de 2007: A Polícia Federal, por ordem do governo, deporta os atletas cubanos Erislandy Lara, de 24 anos, e Guillermo Rigondeaux, de 25, que abandonaram a delegação do Pan, fugindo da ditadura de Fidel Castro. Comparar com o §17 acima e o §27 abaixo.


§23. Setembro de 2007: Lula oferece o território brasileiro como sede para um encontro entre Hugo Chávez e os comandantes das FARC. Leia aqui. Remeter aos §3, §6 e §19 acima. Neste vídeo, Chávez conta como conheceu Lula e Raúl Reyes (ex-comandante das FARC, morto pelo exército colombiano) em um encontro do Foro de São Paulo.

§24. Outubro de 2007: No programa "Provocações", apresentado por Antonio Abujamra, José Dirceu, ao ser perguntado se poderia ter previsto o espantoso avanço da esquerda na América Latina, responde: "Prever não. Mas nós já lutávamos e trabalhávamos por isso. Inclusive porque nós criamos o Foro de São Paulo, que lutava para isso..." (ver aqui).


§25. Dezembro de 2007: No dia 6, em discurso de encerramento do Encontro de Governadores da Frente Norte do MERCOSUL, em Belém do Pará, Lula foi ainda mais explícito do que em seu discurso de julho de 2005 (ver §13 acima). Ele simplesmente narra como participou da fundação do Foro de São Paulo e como esta organização, da qual foi o primeiro presidente, se tornou, a partir de 1990, o comando estratégico da esquerda no continente. Com orgulho, Lula fala ainda que o Foro mudou o curso da história na América Latina, não apenas salvando da extinção o movimento comunista internacional mas entregando a ele o poder sobre várias nações e abrindo caminho para a sua expansão ilimitada. Leia o discurso na íntegra.


§26. Julho de 2008: A revista colombiana Cambio publica reportagem dizendo que a presença das FARC no Brasil atinge até as altas esferas do governo brasileiro. A conclusão foi tirada de e-mails encontrados no computador do ex-porta-voz internacional das FARC, Raúl Reyes (ver §11 acima). Nos e-mails de Reyes – cujo nome verdadeiro era Luis Edgar Devia e que foi morto por tropas colombianas em solo equatoriano em primeiro de março – são mencionados “cinco ministros, um procurador-geral, um assessor especial da Presidência, um vice-ministro, cinco deputados, um vereador e um juiz superior” brasileiros. Os citados são: o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, o ex-ministro de Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, a deputada distrital Erika Kokay, o chefe de Gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho, o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, o assessor especial de Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia (sempre ele!!!), o subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Perly Cipriano, o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e o assessor presidencial Selvino Heck. Marco Aurélio Garcia desqualificou os e-mails, cuja autenticidade, no entanto, foi depois comprovada pela Interpol.
Matéria original da Revista Cambio
Matéria na Folha Online
Matéria no Globo
Ver também a matéria da revista colombiana El Tiempo
Só mais uma curiosidade. No conselho editorial da Revista America Libre – que é uma espécie de publicação oficial do Foro de São Paulo e foi fundada por Frei Betto, sendo atualmente dirigida por Emir Sader (ver §11 acima) – encontramos os nomes de Manuel Marulanda Vélez, vulgo “Tiro Fijo”, comandante e líder das FARC e de Gilberto Carvalho, nada mais nada menos do que o então chefe de Gabinete do Lula. Confira.


§27. Janeiro de 2009: Lula, através do Ministro da Justiça Tarso Genro, concede asilo político ao terrorista e assassino italiano Cesare Battisti. Comparar com os §17 e §22 acima.


§28. Junho de 2009: O presidente hondurenho Manuel Zelaya, cuja carreira política foi patrocinada por Hugo Chávez, é deposto legal e democraticamente – de acordo com a Constituição do país – por ter dado provas de que pretendia dar um golpe e se perpetuar no poder. Zelaya, é claro, mentiu, dizendo que nunca pretendeu a reeleição. Mas aqui está Zelaya propondo publicamente sua reeleição. O que fez o governo brasileiro, representando não os interesses nacionais, mas os interesses do eixo continental do Foro de São Paulo? Desprezou a soberania hondurenha e deu abrigo, na embaixada brasileira em Honduras, ao golpista deposto. Além disso, permitiu que Zelaya fizesse comício de dentro da embaixada, junto com seus correligionários armados. Quem estava com Zelaya e contra o governo interino de Honduras? Lula, Chávez, Morales, Correa, Ortega etc... Todos “companheiros” de Foro de São Paulo. O episódio foi marcante também pela atuação pusilânime de grande parte da imprensa, que, antes mesmo de consultar a Constituição Hondurenha, qualificou de imediato o evento como um “golpe de estado”, parecendo ter sido pautada por Hugo Chávez.


§29. Fevereiro de 2010: Lula visita Cuba e seu amigo Raúl Castro no mesmo dia em que um preso político, Orlando Zapata, morria ao protestar com uma greve de fome pelos maus tratos que os presos políticos cubanos (pacíficos, diga-se de passagem) vinham sofrendo. Lula, de maneira cínica, teve a cara de pau de colocar a culpa da morte na própria vítima, não esboçando qualquer mínimo ato de reprovação à ditadura cubana (ver aqui). Posteriormente, equiparou os presos políticos a presos comuns de Bangu I (ver aqui). Alguns presos políticos cubanos, agora exilados, querem que Lula peça desculpas. Vão esperar sentados, coitados. A foto que ilustra este post revela bem o clima de cordialidade entre velhos companheiros.


§30. Agosto de 2010: O PT responde com histrionismo e ameaças de processo às acusações do deputado Índio da Costa, candidato à vice-presidente na chapa de José Serra, de que o partido tem ligações com as FARC e o narcotráfico (ver post anterior sobre esse assunto). Ocorre que, na mesma semana em que assistimos a toda essa gritaria indignada, o PT fazia circular em seu site oficial o Documento-Base do XVIº Encontro do Foro de São Paulo, a realizar-se em Buenos Aires de 10 a 20 de agosto de 2010. No texto, os participantes do Foro protestam contra "a cruenta agressão armada de tropas colombianas, respaldadas pela tecnologia e pelos serviços de inteligência dos EUA, em território equatoriano, em Sucumbios, no dia 1º de março de 2008". Para o leitor desavisado, foi nesta data que o exército colombiano impôs uma dura derrota às FARC, ao matar um de seus principais líderes, Raul Reyes (o mesmo dos e-mails e da entrevista à Folha de São Paulo. Ver §11 e §25 acima). Ou seja, no momento mesmo em que nega de forma teatral as tais ligações com as FARC, o PT assina um documento prestando solidariedade aos narcoguerrilheiros, condenando o governo colombiano e lamentando a morte de Raul Reyes.


§31. Novembro de 2010: As FARC celebram a eleição de Dilma Roussef. Ver reportagem na Folha, Globo Online e Estadão.

§32. Julho de 2012: Em vídeo de encerramento do 18º encontro do Foro de São Paulo, Lula celebra as conquistas do Foro e dá apoio à reeleição de Hugo Chávez: "Em 1990, quando criamos o Foro de São Paulo, nenhum de nós imaginava que, em apenas duas décadas, chegaríamos onde chegamos. Naquela época, a esquerda só estava no poder em Cuba. Hoje, governamos [notem o uso da primeira pessoa do plural, que indica que é o Foro quem governa os países, e não seus presidentes de maneira soberana e independente] um grande número de países..." (ver aqui).


§33. Agosto de 2012: Ivan Pinheiro, secretário geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), confessa em entrevista: “Nosso partido, o PCB, foi um dos fundadores do Foro de São Paulo há 25 anos, e este nasceu com uma maioria de organizações comunistas e revolucionárias. Inclusive as FARC são fundadoras também e participaram durante anos dos encontros do Foro, até serem expulsas sumariamente pelo PT, quando este assumiu a hegemonia do Foro, que detém até hoje, cada vez mais forte. Com o passar do tempo, o Foro de São Paulo foi mudando. Hoje, o Foro está mais preocupado com a governabilidade institucional de governos reformistas socialdemocratas e também com ganhar algumas eleições, como no Peru, que foi uma vitória do Foro de São Paulo,  do PT no Brasil e o mesmo em El Salvador”. (ver aqui).

Das Virtudes e Vícios do Ceticismo

Em maio de 2012, o autor destas linhas frequentava um curso preparatório para o difícil e concorrido concurso do Itamaraty. Faziam três...